São Jorge, o Vitorioso |
Estamos no ano 303, sendo Imperador dos romanos, Dioclesiano. Comprovando o sucesso da sua política, quer ao interior do império, quer face aos inimigos do exterior, em breve se apressou a cultuar com grande cuidado o que ele chamava de “respeito para com a divindade”. Oferecia sem cessar numerosas vítimas aos seus deuses, sobretudo ao “deus” Apolo, em virtude da sua habilidade em predizer o futuro. Consternado com o que lhe havia sido respondido, o infeliz imperador quis conhecer os justos que estavam sobre a terra. Um dos sacerdotes ao serviço de Apolo informou-o logo de seguida que os cristãos eram o motivo da resposta do mesmo deus. A partir desta data ficou o augusto príncipe mais enfurecido do que nunca, desencadeando aquela que viria a ser conhecida com a mais terrível e mais cruel de todas as perseguições que até então haviam sido movidas contra os cristãos. Sabendo do assustador crescimento do número de cristãos no império e do desdém e desprezo que estes manifestavam diante das leis injustas que tinha promulgado, ordenou que todos os governadores e procuradores do Oriente se apressassem a reunir-se consigo na capital do império. Nesta assembléia foram tomadas medidas drásticas e deliberações mais radicais com o intuito de reprimir, e mesmo aniquilar, a propagação do cristianismo nos territórios do império. Não satisfeito com o resultado obtido, mandou que fossem convocadas duas novas assembléias para ajuizarem a eficácia das decisões anteriormente aceites. É precisamente na segunda destas duas assembléias que São Jorge vai estar presente. General dos exércitos imperiais, nascera na Capadócia, filho de pais cristãos de ilustre estirpe. Ainda menino, tiveram por bem os seus pais educá-lo segundo os princípios da Igreja de Cristo, introduzindo no seu dócil coração a piedade, a caridade e a compaixão que um dia viriam ser postas à prova. Seu pai, também ele oficial e comandante de várias legiões, perece em combate, altura em que São Jorge se dirige para a Palestina, província donde era originária sua mãe. Presenciando a morte de sua mãe, após a partida dessa para o reino dos céus, toma todos os seus bens e vai encontrar-se com o imperador. Desde o primeiro dia da assembléia, altura em que constatou de perto a crueldade e as atrocidades que, em virtude dos decretos do senado, muito rapidamente se iriam abater sobre os cristãos indefesos, deu início à distribuição de todos os seus bens pelos pobres da cidade. É aconselhável que digamos que a sua fortuna pessoal era uma das maiores do império. São Jorge tomara a decisão de, no terceiro dia da assembléia, enveredar pela defesa da sua Igreja e do seu Deus, divulgando perante tão douta e grandiosa reunião de personalidades, a sua fé. Colocando-se de pé, no meio da assembléia, falou nestes termos: Boquiaberto com as palavras do jovem patrício, incumbiu o imperador ao cônsul Magnâncio, seu amigo, de lhe responder. Chamando-o à razão, Magnâncio pergunta-lhe: Vendo que o seu amigo Magnâncio nada consegue perante a determinação do general-menino, é o próprio imperador que toma a palavra e, falando com astúcia e malícia, enumera com uma doçura e suavidade de termos, que não lhe era peculiar, a fulgurante carreira, honras e glória que São Jorge tem à sua frente. Não conseguindo demovê-lo do seu firme propósito, manda que o ponham na prisão, conduzindo-o a golpes de lança. Já no cárcere, é deitado no chão, os pés postos sob enormes traves e uma enorme pedra jogada sobre o seu peito, como havia o tirano desejado. São Jorge passa toda a noite louvando e glorificando o seu Senhor. Quando na manhã seguinte, fraco e dolorido, se apresenta ao soberano, as suas palavras tinham o mesmo fulgor e a mesma força. Disse que não temia a morte, uma vez que esta lhe iria possibilitar o tão desejado encontro com o Mestre e todas as torturas que lhe pudessem ser infligidas, por mais violentas que fossem jamais o fariam invocar a clemência do carrasco. Trouxeram, então, uma roda armada de pontas de ferro onde o ataram com tal brutalidade que as correias que o ligavam se embrenhavam na sua carne. Encontravam-se, por baixo da roda, que estava suspensa do teto, várias mesas sobre as quais algumas dezenas de pontas de lança haviam sido fixadas, de modo que, ao aproximar-se das mesas a roda do suplício, na qual Jorge permanecia imóvel, possibilitava que todo o seu corpo fosse dilacerado pelas pontiagudas lanças. Jorge começou por orar em voz alta, depois em silêncio... Pouco depois, desamarraram o cadáver do mártir e inauditamente, apareceu uma grande nuvem, da qual saíam relâmpagos e trovões. Então ouviu-se uma voz que dizia : Ordenou o imperador que deitassem Jorge num poço cheio de cal viva durante três dias. No fim deste período, mandou que fossem ao poço buscar os ossos que tivessem restado para os esconder, receando que os cristão levassem-nos. Mas, qual não foi a admiração dos soldados, quando ao destaparem o poço, viram o mártir ileso, resplandecendo de luz ! Erguendo as mãos ao céu, Jorge deu graças a Deus pela sua misericórdia. Toda a multidão que comprovou este acontecimento rejubilou de alegria, entoando cânticos de louvor. Assim que foi notificado, Dioclesiano exigiu que o colocassem diante de si, para o inquirir sobre a magia da qual certamente se valera para sair vivo de tais torturas. Novamente o aconselha a que reconsidere as suas propostas, caso contrário, ver-se-ia coagido a continuar com os suplícios. Inabalável, Jorge recusa a pseudo-bondade do soberano, persistindo no seu intento. Desta vez, obrigaram-no a calçar uns pesados sapatos de ferro, armados de afiados pregos no interior, após terem sido aquecidos ao rubro no interior das chamas. Forçado a correr até a prisão, foi sendo vergastado com nervos de boi em cujas extremidades pendiam bolas de chumbo, ao mesmo tempo que os seus pés eram perfurados pelos pregos em brasas. Jorge não desfaleceu, passando o dia e a noite orando e louvando o seu Deus. Na manhã seguinte, de novo se apresentou ao imperador, que ficou estupefato ao vê-lo caminhar como se nada tivesse acontecido. Reunira o augusto príncipe o seu tribunal perto do teatro público, acompanhado de todo o senado. Fora, uma vez mais, pelo imperador aconselhado a renunciar à sua fé, pois, segundo o mesmo, se Jorge não se submetesse à sua vontade, seria obrigado a encurtar o tempo de vida que este tinha à sua frente. Jorge em nada alterou a sua posição, razão pela qual Dioclesiano pediu que chamassem um conhecido “mago”, de nome Athanásio, cuja habilidade nas artes da magia era sobejamente conhecida. Athanásio, por meio de três poções mortíferas, tentou retirar ao Bem-Aventurado mártir o sopro da vida. Não conseguiu! Em Jorge, as poções “mágicas” obtiveram o mesmo resultado que a límpida e cristalina água da fonte mais pura. Constatando o seu fracasso, Athanásio achou por bem – já que o Mestre dos cristãos ressuscitava os mortos – proporcionar ao mártir a oportunidade de fazer o mesmo que o seu Deus. A poucas dezenas de metros do local onde estava reunido o tribunal, encontrava-se um túmulo. Desataram Jorge das correias que o seguravam e ordenaram-lhe que se dirigisse ao túmulo. Afirmara o imperador que, se conseguisse ressuscitar o defunto, ele e todos os seus súditos reconheceriam Cristo como o único Deus verdadeiro. Voltando-se para ele, Jorge retorquiu-lhe por doces palavras: “Se o meu Deus foi capaz de criar a partir do nada, também por meu ministério ressuscitará um morto, trazendo-o à vida“. Apenas tinha concluído a sua prece, logo um barulho espalhou o terror naqueles que ali se encontravam. A pedra do sepulcro abriu-se e do seu interior saíra o ressuscitado que se agarrou a Jorge, proclamando bem alto ser Cristo o Deus verdadeiro. O próprio Athanásio (o mago) vem prostrar-se em face do mártir implorando-lhe que rogue a Cristo que lhe perdoe os seus malefícios. O imperador, incrédulo, não cumprira o que havia prometido, acusou o mago de ter favorecido Jorge e mandou que lhe cortassem a cabeça, bem como ao morto ressuscitado. Quanto a Jorge, ordenou que o prendessem novamente até decidir o que fazer com ele. Então a multidão, que tudo vira, abeirou-se dos guardas da prisão, ofereceu-lhes dinheiro e entraram nessa. Encontrando-o, pediram-lhe que os curasse, na medida em que muitos eram os que sofriam de doenças várias. Em nome de Cristo, a todos curou. Surgira um camponês, de nome Glicério, cujo boi morrera de repente na lavoura, implorando a Jorge que lhe restituísse a vida. Jorge reenviou-o ao campo, dizendo-lhe que Deus trouxera à vida o seu boi. Tão depressa como foi, assim voltou o camponês, relatando por toda a cidade o que havia acontecido. Tendo sido encontrado por acaso pelos soldados, imediatamente foi conduzido ao Imperador, que, nesse momento, o sentenciou à morte. Feliz com a sentença, Glicério corria para o suplício como um jovem para um festim. Ia à frente dos soldados, para fora da cidade aonde lhe iam corta a cabeça, pedindo a Deus que aceitasse o seu martírio em vez do Batismo que não iria poder receber. Jorge foi acusado de sublevar o povo contra o imperador, criando instabilidade na almejada harmonia do império. Muitos dos adoradores dos falsos deuses se haviam convertido ao cristianismo. De novo, Dioclesiano julgou necessário submeter Jorge a mais tormentos e, aconselhando-se com Magnâncio, deu ordem para prepararem o tribunal junto ao templo do deus Apolo. No decorrer dessa noite, Cristo apareceu ao mártir em sonhos e levantando-o e beijando-o, pôs-lhe uma coroa na cabeça, dizendo-lhe: “Não temas, tem coragem, pois foste julgado digno de reinar comigo. Não tardes; vem ter Comigo para usufruir da alegria que te foi preparada”. No dia seguinte, ao ser levado perante Dioclesiano, pediu-lhe que o deixasse entrar no templo do deus Apolo. Rejubilando de alegria, ao pensar que Jorge tinha por fim apostasiado, prontamente o imperador acedeu ao seu pedido. Todo o povo entrou no templo. Jorge aproximou-se da estátua de Apolo e perguntou-lhe: “Como te atreves tu, que não és nenhum deus, a querer receber o meu sacrifício, como se o fosse?”. O demônio que habitava a estátua respondeu-lhe: “Não, eu não sou nenhum deus, nem eu, nem os meus semelhantes. Não existe senão um único Deus; Aquele que vós anunciais”. A estas palavras, todas as estátuas do templo ruíram, acabando por desintegrar-se. Todos os demônios haviam abandonado aquelas paragens, quando de novo o imperador, cuja cólera nada podia conter, se apressou a ordenar aos soldados que levassem Jorge para fora da cidade, onde lhe seria cortada a cabeça. Neste instante, a imperatriz Alexandra, esposa de Dioclesiano, que havia muito tempo nutria pelos cristãos uma profunda admiração, tendo ouvido tão invulgar turbulência na cidade e sabendo a aversão do soberano para com o cristianismo, abeirou-se dele, apelidando-o de injusto, cruel e ímpio. O imperador, que não conhecia a misericórdia nem a compaixão, sentenciou a imperatriz Alexandra a perecer juntamente com o mártir. Conduzidos ao local da execução, ambos demonstraram uma coragem indômita comum aos mártires. Assim, no dia 23 de abril no ano da graça de 303, partiu para o reino dos céus Jorge, com a idade de 20 anos, e Alexandra, imperatriz. A notícia de sua fé, do seu amor por Cristo, Nosso Deus e Salvador e da sua heroicidade, em breve se propagou por todo o império, incutindo em todos os cristãos uma arraigada e sincera temeridade que lhes permitiu suportar as injustiças e vencer todas as ciladas do demônio. Neste dia, a corrente inquebrantável que une, pela santidade e pelo exemplo de suas vidas, todos os heróis do cristianismo, viu-se acrescentada em mais dois elos, tão fortes e tão imprescindíveis como os anteriores. Aqueles que durante mil e novecentos anos sempre estiveram presentes na Igreja de Cristo, pelas suas orações e pela sua proteção aos cristãos, seus irmãos, são, desde o dia do seu nascimento nos céus, glorificados com o sublime e inefável nome de mártires. Pelas orações dos teus santos mártires Jorge e Alexandra, ó Cristo Nosso Deus, tem piedade de nós. Amém! |