São Sergio, Abade e Taumaturgo de Radonej |
Parte 1: Infância e Eremitério. Nosso santo pai Sérgio nasceu de pais nobres e sobretudo devotados ortodoxos. Cirilo e Maria receberam muitas graças de Deus, sendo reconhecidos como senhores entre os homens e suas virtudes eram abundantes e agradáveis a Deus. Tiveram três filhos, Estevão, Bartolomeu e Pedro, que foram criados na estrita piedade e pureza. Estevão e Pedro aprenderam a ler e a escrever rapidamente, mas o mesmo não aconteceu com o segundo filho do casal. Bartolomeu era lento no aprendizado, e ainda que seu mestre particular fosse muito dedicado e cuidadoso, o menino não era capaz de compreender as matérias ensinadas, de modo mesmo inferior as outras crianças que estudavam com ele. Tal dificuldade fez com que ele sofresse com a censura de seus pais, com o castigo do seu professor e a ridicularização por parte dos seus colegas. Muitas vezes, entre muitas lágrimas orava a Deus dizendo: “Ó Senhor, dá-me entendimento para o aprendizado. Ensina-me Senhor, me ilumina e me instrua.” Sua reverência para com Deus o levou a pedir para receber o conhecimento advindo de Deus e não dos homens. Um dia seu pai o enviou para procurar um potro perdido na propriedade. No caminho, encontrou um monge, um venerável ancião, mas que era um desconhecido, um padre que mais parecia um anjo. Ele estava debaixo de um carvalho, orando com devoção e derramando muitas lágrimas. O rapaz fez uma reverência com humildade e aguardou o monge terminar as suas preces. Ao terminar suas orações, o venerável monge se aproximou do menino e consciente de estar diante da barca escolhida pelo Espírito Santo, o convidou para se aproximar e o abençoou e dando-lhe um beijo em nome de Cristo, fez a seguinte pergunta: “O que tu procuras, o que desejas, meu filho?” O menino respondeu: “A minha alma deseja acima de tudo conseguir compreender as Sagradas Escrituras. Tenho de estudar leitura e escrita e fico tremendamente aborrecido pelo fato de não conseguir aprender essas coisas. Por favor santo padre, reza a Deus por mim, para que Ele me dê conhecimento para aprender a ler!” O monge levantou suas mãos e seus olhos em direção céu, suspirou, orou a Deus e, em seguida, disse: “Amém”. Retirando com os três dedos algo de sua bolsa de couro, como se fosse um tesouro, ele entregou para o rapaz o que parecia ser um pedaço de uma prósfora e lhe disse: “Leva isso a tua boca, criança, e coma; Este pão é dado a ti como um sinal da graça de Deus e para a compreensão das Sagradas Escrituras. Embora o dom lhe pareça pequeno, o seu sabor é muito doce.” O menino abriu a boca e comeu, o saboreando como se fosse de mel. O monge lhe disse: “Se tu crê, criança, muito lhe será revelado e não te aborrecerá mais as dificuldades com a leitura e escrita, pois a partir deste dia o Senhor te dará a capacidade de aprender acima de teus irmãos e outros da tua idade.” Tendo alertado o menino sobre as bênçãos divinas, o monge se preparou para seguir o seu caminho. Mas o menino, se prostrando aos pés do monge o pediu para visitar seus pais. O monge, espantado com a fé do menino, o atendeu em seu pedido. Cirilo e Maria avistaram o filho com o monge e foram a seu encontro. O monge os abençoou. Os pais lhe ofereceram comida e descanso, mas antes de aceitar qualquer alimento, o monge entrou na capela levando com ele o menino, cuja consagração tinha sido mostrado antes mesmo de seu nascimento. O monge começou a recitação das Horas Canônicas e disse para o menino começar a ler os Salmos. O garoto disse ao monge que não conhecia os Salmos, mas o monge o respondeu: “Disse-lhe que a partir de hoje o Senhor te dará o conhecimento da leitura e da escrita da Palavra de Deus, não tenha mais dúvidas!” Para o espanto de todos os presentes, o menino após receber a benção do monge, começou a recitar, com um belíssimo ritmo, as partes das Horas que ele deveria ler. Seus pais e irmãos deram graças a Deus e depois acompanharam o monge ate a casa, para lhe oferecer uma refeição. Após ter terminado a refeição, o monge novamente abençoou os pais do rapaz e se aprontou para o quanto antes voltar a prosseguir com seu caminho. Contudo, Cirilo e Maria confessaram ao monge algumas de suas angustias e preocupações: “Reverendo padre, pedimos para que não se apresses em prosseguir em seu caminho, mas sim que aceites nossa morada para nos confortar e tranquilizar a respeito dos nossos medos. Nosso humilde filho, que o senhor abençoaste e elogiaste, é para nós motivo para nos maravilharmos. Enquanto ainda estava no ventre de sua mãe, por três vezes ele proferiu um grito, quando ela estava dentro da Igreja durante a celebração da Divina Liturgia. Temos desde então muitos receios e dúvidas sobre o que está acontecendo e o que devemos fazer.” O santo monge, depois de ouvir a narrativa, exclamou: “Ó abençoado casal, ó digna jovem, que deu a luz a uma criança como essa! Porque o medo? Não há razão para ter medo! Rejubilem-se de alegria e com prazer, pois este menino será grande perante Deus e os homens, graças a sua vida piedosa.” O monge ainda disse algo que se tornou naquele momento uma informação pouco clara, determinando que o filho de Cirilo e Maria serviria a Santíssima Trindade e que conduziria muitos outros a compreensão dos preceitos divinos. Os pais acompanhavam o monge até a porta de casa, quando subitamente ele desapareceu. Perplexos, perguntavam um ao outro se o monge seria então um anjo, enviado por Deus para dar ao menino a capacidade de ler. Após a partida do monge, tornou-se evidente que o menino era capaz ler qualquer livro, e mudou completamente, sendo obediente em tudo a seus pais, esforçando-se por cumprir seus desejos e nunca desobedecendo. Aplicando-se exclusivamente a glorificar Deus, ele participava assiduamente dos serviços na igreja, estando presente diariamente nas Vésperas, Matinas e na Liturgia. Estudava as Sagradas Escrituras e em todos os momentos, em todos os sentidos, disciplinava o seu próprio corpo e se preservava na pureza do corpo e da alma. Cirilo, devoto servo de Deus, levou a vida de um homem boiardo rico e famoso na província de Rostov, mas nos últimos anos ele foi reduzido a pobreza. Ele, como outros, sofreu as invasões de hordas de tártaros na Rússia, desde as escaramuças de tropas, as frequentes cobranças de impostos, as repetidas más colheitas, em conjugação com o período da violência e da desordem que se seguiu à grande guerra dos Tártaros. Quando o principado de Rostov caiu nas mãos do Grão-duque de Moscou Ivan Danilovitch, aflição prevalecia na cidade, e não menos entre os príncipes e boiardos. Eles foram privados de poder, de suas propriedades e de honras e reconhecimento, pois de tudo se apoderou o Grão-duque de Moscou. Sabendo dos terrores aos quais estavam submetidos todos, não apenas em Rostov mas também nas regiões vizinhas, o servo de Deus Cirilo, evitando ser vítima de novas desgraças, entendeu que era hora de deixar a sua terra natal. Junto com toda a sua família e agregados, partiu para Radonej, onde se encontrava uma igreja dedicada ao nascimento de Cristo, que ainda se encontra de pé. Pedro e Estevão já eram casados, mas Bartolomeu não desejava casar-se, mas sim se tornar monge. Ele expunha tal desejo muitas vezes a seu pai, mas este o recomendava ter paciência, pois com os outros dois irmãos casados, não restaria outro para cuidar dos pais na velhice. Bartolomeu então se comprometeu a cuidar do bem-estar dos pais. Contudo, ambos seguiram a vida monástica no final da vida, indo o pai para um mosteiro masculino e a mãe para um feminino. Viveram poucos anos nesta condição. O bem-aventurado Bartolomeu enterrou seus pais, velando por eles durante quarenta dias, e depois seguiu no retorno para sua casa. Chamou seu irmão mais novo, Pedro, e lhe ofereceu sua parte na herança paterna, não ficando com nenhum bem. A esposa do seu irmão mais velho, Estevão, faleceu, deixando dois filhos (Clemente e Ivan). Estevão logo renunciou ao mundo e se tornou monge no mosteiro da Mãe de Deus de Khotkov. O agora Beato Bartolomeu chamou o irmão para o ajudar a encontrar um lugar no deserto para edificar uma morada. O monge Estevão consentiu e juntos foram explorar a floresta, até que depois de muitas buscas conseguiram encontrar um lugar no centro da floresta, com um riacho próximo. Após inspecionar todo o local, ficaram satisfeitos por terem conseguido obedecer a voz de Deus e tido sucesso. Após as orações, começaram a cortar madeira para a construção, primeiro de uma cabana, para posteriormente erigir uma pequena capela. Quando a capela foi concluída e se fazia necessário dedicá-la, o bem-aventurado Bartolomeu inquiriu seu irmão mais velho a respeito de a qual festa ou santo deveria ser dedicada a capela. Estevão respondeu: “Tu desejas pôr-me a prova com esta pergunta? Desde o ventre de nossa mãe já haviam sinais de que tu serias discípulo da Santíssima Trindade e que levarias muitos outros a crer na Santíssima Trindade.” O bem-aventurado Bartolomeu suspirou profundamente e disse ao irmão: “Para dizer a verdade, meu senhor e irmão, consultei-te por respeito e por humildade, pois és meu irmão mais velho. De todo modo, o meu sentimento sobre a capela é o mesmo que o seu, desejando de toda minha alma dedicar essa capela a Santíssima Trindade.” Então imediatamente após a resolução foi buscar obter a bênção do prelado para a consagração da capela. No reinado do Grão-duque Semion Ivanovich, foi enviado um padre pelo Metropolita de Kiev e de toda a Rus’, e a capela foi consagrada a Santíssima Trindade. A capela continuou a receber a dedicação e os melhoramentos, mas Estevão não pode continuar por muito mais tempo com seu irmão. As condições eram muito precárias, não havendo localidades próximas, nem mesmo estradas ou caminhos para que alguém pudesse ali chegar, havia uma severa escassez de alimentos e os demais meios de subsistência. Diante deste quadro, Estevão decidiu deixar o deserto e desta forma também deixando sozinho seu irmão, que passou a ser o único solitário habitante daquele deserto. Estevão viajou até a cidade de Moscou, e lá foi habitar no mosteiro da Epifania, passando a viver na mais correta virtude. Todo trabalho duro era como uma alegria, desenvolvendo com o passar do tempo as mais exigentes praticas ascéticas, disciplinando-se em sua cela através do jejum e da oração, abstendo-se de toda indulgência, até mesmo do consumo da Kvas (uma leve cerveja russa).
Parte 2: A Vida Reclusa Aleksei, o futuro metropolita, que neste momento ainda não tinha sido elevado ao posto de bispo, foi viver no mosteiro da Mãe de Deus em Khotkov, levando uma pacata vida monástica, vindo a conhecer Estevão. Passaram muito tempo juntos, em exercícios espirituais, no companheirismo da vida monástica, tendo em muitas vezes cantado no coral lado a lado. Chegou ao conhecimento do Grão-duque Simion a vida devotada de Estevão, que de tal forma sensibilizou o soberano que este instou o Metropolita a ordenar Estevão como sacerdote e posteriormente como abade do mosteiro. Ciente de suas virtudes, o Grão-duque o nomeou como seu confessor. Enquanto isso, São Sérgio ainda não havia recebido os votos monásticos, pois ainda não tinha a experiência de vida necessária, e tudo mais que se exige de um monge. Contudo, depois de algum tempo, São Sérgio recebeu a visita de um ancião espiritual, um sacerdote e abade, de nome Mitrofan, que foi visitá-lo na solidão do deserto. Com grande humildade, São Sérgio se aproximou e pediu: “Pai, pelo amor de Deus entre nós, conceda-me a tonsura monástica. Desde a infância amo a Deus e Ele habita em meu coração, mas durante estes muitos anos meus pais necessitavam de meu auxílio. Agora meu senhor e pai, que sou livre de todas as obrigações, tenho sede em busca dos mananciais da água viva.” O abade imediatamente entrou na capela com ele e deu-lhe a tonsura no 7º dia do mês de outubro na festa dos santíssimos mártires Sérgio e Baco. Sérgio foi o nome que recebeu como monge, pois naquele tempo era costume dar aos recém-tonsurados como monge o nome do santo cujo a festa se celebrava naquele exato dia. Nosso santo tinha vinte e três anos quando ingressou na ordem monástica. Quando o bem-aventurado Sérgio, recém-tonsurado monge, recebeu o Santíssimo Sacramento, recebeu o dom e a graça do Espírito Santo. Há testemunhos, asseguradamente verídicos, de que quando Sérgio ministrava o Santíssimo Sacramento, a capela era preenchida com um cheiro doce, que tomava não só a capela mas tudo ao redor, com a mesma fragrância. O santo permanecia durante sete dias sem nada comer, apenas no aguardo do pão consagrado ofertado pelo abade, recusando todo o restante e se dedicando ao jejum e a oração, tendo nos lábios os Salmos de Davi. O abade Mitrofan se despediu de São Sergio, que com humildade lhe dizia: “Dá-me sua benção e reza por mim nesta solidão, e dá-me a instrução necessária para que eu possa viver sozinho no deserto, como orar a Deus, como permanecer incólume, como lutar contra o mal e com as próprias tentações do orgulho, eu que sou um monge recém-tonsurado.” O abade estava assustado e quase amedrontado e respondia ao bendito Sergio: “Ó reverendo padre, tu me perguntas sobre as questões que conheces e sabes mais do que qualquer outro!” Ainda assim, o abade Mitrofan ministrou ensino sobre algumas questões espirituais e o recomendou a Deus, deixando Sérgio novamente sozinho ao silêncio do deserto. Quem pode mensurar o tamanho de sua labuta? Quem pode enumerar os desafios que ele suportou ao viver sozinho no deserto? Sob diferentes formas, e em muitas ocasiões, o diabo lutou com o santo, mas os demônios atuavam em vão, não importa o tipo horrendo de visão evocada, não se fazia possível superar o firme e destemido espírito do asceta. Em determinado momento eram as artimanhas de Satanás que buscavam lhe macular; em outros, dava-se as incursões de animais selvagens, pois são muitos os que habitavam aquele deserto. Alguns destes permaneciam a uma distância razoável, outros chegaram perto do santo, o rodeado e mesmo o cheirando. De forma singular, um urso se aproximava do santo. Vendo que o animal não buscava prejudicá-lo, mas sim procurava algum alimento, o santo lhe trazia uma pequena fatia de pão, colocado em um toco de madeira, de modo que o animal soubesse que o alimento se destinava a ele. Após ter comido, o animal ia embora. Quando não havia a habitual fatia de pão, o urso permanecia por um longo período a rondar toda a região, como que um agiota a espera de receber o pagamento de uma dívida. Nestes tempos Sérgio não tinha acesso a uma variedade de alimentos no deserto, só mesmo o pão e água, e a partir da primavera, sofria com a escassez destes também. Muitas vezes, não era possível mesmo ter pão, ficando tanto ele quanto o urso a passar fome. Às vezes, embora tivesse senão uma fatia de pão, o santo deixava para o urso, estando disposto a abrir mão de sua alimentação. Ele lia diligentemente as Sagradas Escrituras para obter um conhecimento de todas as virtudes, nas suas meditações treinava o que havia de secreto em sua mente, uma ânsia de eterna felicidade. O mais maravilhoso de tudo, é que a medida de sua vida de piedade e asceticismo eram desenvolvidas na solidão. Contudo, Deus, o expectador de todas as coisas observava a tudo. Se ele morou dois anos ou mais no deserto estando inteiramente sozinho, não sabemos, só Deus sabe. O Senhor, vendo sua grande fé e paciência, teve compaixão dele e, desejoso de aliviar seu trabalho solitário, colocou nos corações de alguns monges tementes a Deus o desejo de visitá-lo. Ao chegarem na capela, o santo perguntou a um deles: “Vós sois capazes de suportar as dificuldades deste lugar, a fome e a sede, e a todo o tipo de necessidade?” Eles responderam: “Sim, Reverendo Padre, estamos dispostos, com a ajuda de Deus e com suas orações.” São Sergio, vendo a fé e zelo, maravilhou-se e disse: “Meus irmãos, meu desejo era habitar sozinho no deserto e, além disso, morrer neste lugar. Se contudo é a vontade de Deus que haja um mosteiro neste lugar e que muitos irmãos busquem se reunir aqui, então pela vontade de Deus será feito. Saúdo-vos com alegria, mas deixo a cada um de vós a responsabilidade de construir vossas celas. Por fim, quero dizer para que todos saibais que ao vir habitar aqui no deserto, o início da justiça é o temor ao Senhor.” Para aumentar seu temor a Deus, São Sérgio passou dias e noites no estudo da Palavra de Deus. Além disso, sendo ainda jovem, de corpo forte e saudável, ele poderia fazer o trabalho de dois homens ou mais. O diabo agora buscava lhe ferir com os dardos da concupiscência. O santo, ciente desses ataques do inimigo, tratou de manter seu corpo disciplinado, para que esse pudesse exercer em sua alma a capacidade de domínio, e com jejum ele assim foi protegido pela graça de Deus. Embora ainda não tivesse sido condecorado com o sacerdócio vivendo em uma habitação compartilhada com os irmãos, ele estava com eles diariamente na igreja para a recitação de todos os serviços litúrgicos. Para celebrar a Liturgia, um sacerdote (um abade) vinha de uma das aldeias menos distantes. De início, Sérgio não desejava galgar a condição de sacerdote, e principalmente não era sua intenção se tornar abade, devido a sua extrema humildade. Ele constantemente determinava que a raiz do orgulho intrínseco a busca de títulos e distinções estaria também presente no desejo de ser abade ou de conquistar posições e cargos de outra natureza. Os monges de então contavam no reduzido número de doze. Eles próprios construíram suas celas, não muito grandes, com um pátio e um portão de entrada. Sergio pessoalmente construiu quatro celas, e realizou outras funções no mosteiro, a pedido do seu irmão, e com o tempo o mosteiro passou a ser um lugar bonito. Com o tempo, muitos produtos agrícolas passaram a ser semeados. São Sérgio trabalhava sem cessar, trabalhando no aproveitamento dos tecidos para o vestuário, na busca de água para o atendimento das celas dos irmãos. Sempre se alimentando de pão e água, passando as noites em oração sem dormir. No espaço de um ano, o abade que tinha concedido a tonsura a São Sérgio adoeceu, e após um curto período ele abandonou esta vida. Então Deus guiou os corações dos monges para que eles fossem ao bem-aventurado Sérgio e lhe dissessem: “Pai, não podemos continuar sem um abade. Desejamos o senhor como o guia de nossas almas e corpos.” O santo suspirou do fundo de seu coração e respondeu: “Nunca pensei em me tornar um abade, e minha alma de fato anseia terminar seu curso natural aqui como um monge.”
Parte 3: A abadia. Os irmãos novamente o exortaram para aceitar ser seu abade; e, finalmente, superado por seu amor compassivo, mas interiormente sofrendo, ele disse: “Padres e Irmãos, não vou mais ir contra a vontade de Deus. Ele vê seus corações e almas. Vou a cidade falar com o bispo.” Alexei, o Metropolita de toda a Rússia, que nestes tempos vivia em Constantinopla, havia nomeado o bispo Afanásio de Volynia em seu lugar, e este estava na cidade de Pereiaslavl. Nosso bem-aventurado Sergio foi encontrar o bispo e ao vê-lo acompanhado de dois anciãos, entrou na sala e fez uma humilde reverência. Afanásio rejubilou excessivamente em vê-lo e o beijou em nome de Cristo. Ele tinha ouvido falar do santo, de sua origem e de suas boas obras. Nosso Santíssimo Padre Sergio implorou ao bispo para lhes enviar um abade e um guia parsuas almas. O venerável Afanásio respondeu: “Meu filho e irmão, Deus o chama desde o ventre de tua mãe. És tu mesmo que deves ser abade de teus irmãos.” O bendito Sergio recusou, insistindo sobre sua indignidade, mas Afanásio lhe disse: “Amado, tu adquiriste força para guardar todos na obediência.” São Sergio, com a voz baixa, respondeu: “Que a vontade de Deus seja feita, louvado seja o Senhor agora e sempre.” Todos responderam: “Amém”. Sem demora, o santo bispo Afanásio abençoou Sergio e o levou para a igreja, o ordenando diácono. Na manhã seguinte, o santo foi elevado à dignidade do sacerdócio e foi incumbido de celebrar a santa liturgia e oferecer o Sacrifício incruento. Mais tarde, o chamando em reservado, o bispo lhe falou dos ensinamentos dos Apóstolos e dos santos Padres, para a edificação e orientação das almas. Após lhe dar um beijo em nome de Cristo, ele o enviou para seguir em frente em sua ação como pastor, guarda e médico e espiritual de seus irmãos. Ele não buscou para si o posto de abade, ao contrário, recebeu tal liderança de Deus. Não tinha procurado, nem se esforçado para tal; não buscou pela recompensa, tal como os que por orgulho dos títulos, perseguem aqui e acolá, dedicando toda a energia, competindo uns contra os outros para obter tal conquista. Nseu caso, Deus enviou seus discípulos e esses o exaltaram, o escolhendo para exercer a dignidade de abade. Nosso pai e abade Sergio retornou aseu mosteiro, à morada dedicada à Santíssima Trindade, e os irmãos, que saindo para encontrá-lo, se curvaram diante dele. Ele os abençoou e disse: “Irmãos, orem por mim. Sou completamente ignorante e tenho recebido um talento do Altíssimo; devo me tornar capaz para prestar conta deste talento e do rebanho empenhado a mim.” Havia doze irmãos quando ele se tornou primeiro abade e ele foi o décimo terceiro. E esse número se manteve, nem aumentou nem diminuiu, até Simão, o arquimandrita de Smolensk, chegar entre eles. A partir desse dia em diante os seus números aumentaram constantemente. Este homem maravilhoso, Simão, foi um excelente diretor, eminente, abundante em virtude. Após ter ouvido falar do modo de vida de nosso reverendíssimo pai Sergio, ele deixou a bela cidade de Smolensk e chegou ao convento, homenageando o reverendo padre Sergio com a maior humildade, pedindo ao abade para ser aceito sob todas as regras e obediência e se ofereceu para trabalhar na fazendo do mosteiro, pois acreditava ter um dom para tal tarefa e que assim melhor poderia beneficiar a todos. O bendito Sergio o saudou com grande alegria. Simon viveu muitos anos submisso e obediente, abundante em virtude, e morreu já com a idade avançada. Estevão, o irmão do santo, chegou com seu filho mais novo, Ivan, vindo de Moscou e, o apresentando ao abade Sergio, pediu-lhe para dar-lhe a tonsura. O Abade o atendeu, e lhe deu o nome de Teodoro. Nos primeiros anos, ao filho de Estevão foi ensinada a abstinência, piedade e a castidade, seguindo os preceitos de seu tio, e de acordo com algum registros, lhe foi dada a tonsura quando tinha dez anos, outros dizem doze. Pessoas de muitas regiões, cidades e países passaram a viver na Abadia de Sergio e seus nomes estão escritos no livro da vida. O mosteiro pouco a pouco cresceu em tamanho. É registado no livro dos primeiros Padres da Igreja que os Santos Padres profetizaram sobre gerações futuras, dizendo que a última seria fraca. No entanto, mesmo nascido nessas gerações posteriores, Deus fez a Sergio tão forte como um dos primeiros Pais. Deus fez dele um amante do trabalho árduo, e pronto para ser o cabeça sobre um grande número de monges. A partir do momento em que ele foi nomeado abade, a santa Liturgia foi celebrada todos os dias. Ele mesmo preparava o santo pão cozido; cuidando desde o preparo do solo até a colheita do trigo, a peneira da farinha e o preparo do fermento na massa, pois não confiava a feitura do pão sagrado para qualquer um. Ele também fazia a velas. Embora ocupando o lugar de abade chefe, ele não alterou de forma alguma as suas regras monásticas. Ele foi sempre humilde com todas as pessoas e um exemplo para todos. Nunca mandou embora quem o visitava desejando ser tonsurado, velhos ou jovens, ricos ou pobres, recebia a todos com fervorosa alegria, mas não lhes dava a tonsura rapidamente. Aquele que desejava ser monge era instado, em primeiro lugar, para vestir as simples vestimentas negras para viver com os irmãos, até estar bem habituado a todas as regras monásticas, para que em seguida, mais tarde, a ele fosse dado poder se trajar como um monge pleno, com a capa e o capuz. Finalmente, quando este monge fosse considerado digno, ele seria autorizado a vestir a “esquema”, a marca do asceta. Depois das Vésperas, bem tarde da noite, especialmente nas escuras e mais longas noites, São Sergio deixava sua cela e ia fazer rondas nas celas dos demais monges. Se ele ouvia alguém recitar suas orações, fazer genuflexões ou se ocupado com suas próprias obras, ele ficava satisfeito e dava graças a Deus. Se, por outro lado, ouvia dois ou três monges conversando juntos, ou rindo, ficava descontente, batia na porta ou janela e passava. Pela manhã ele enviava a estes últimos, de forma indireta, silenciosa e gentil, uma indicação da falha, por meio de alguma parábola. Se o monge era um humilde e obediente irmão iria rapidamente admitir sua culpa e o mais rapidamente possível iria implorar o perdão do santo abade. Se ao invés disso ele não era um irmão humilde e ficou pleno de si a pensar que não se tratava dele a pessoa referida na parábola, o santo o faria, com paciência, entender a necessidade de uma penitência pública. Deste modo, todos aprendiam a orar a Deus assiduamente, a não conversar com o outro depois de Vésperas, a fazer seu próprio trabalho manual com todas as suas forças e de ter nos lábios, todos os dias, os Salmos de Davi. No início, quando o mosteiro foi construído, muitas foram as dificuldades e privações. A estrada principal estabelecia um longo e largo caminho selvagem que rodeava o mosteiro. Desta forma se acredita que os monges viveram por quinze anos. Então, quando dos tempos do grão-duque Ivan Ivanovich, os cristãos começaram a chegar de todas as partes se estabelecendo nas proximidades, com a floresta sendo colocada a baixo. Sem que houvesse alguém para impedi-los, em pouco tempo a floresta foi convertida em uma planície aberta, como se dá na atualidade. Uma vila com suas inúmeras casas foi construída e os visitantes chegaram ao mosteiro trazendo suas inúmeras ofertas. Mas, no início, quando assentados neste local, todos eles sofreram grandes privações. Às vezes não havia pão ou farinha e faltavam todos os meios de subsistência; às vezes não havia vinho para a Eucaristia, nem incenso, nem cera de velas. Os monges cantavam Matinas de madrugada, sem luz advinda de uma única tocha. Um dia, houve uma grande escassez de pão e sal em todo o mosteiro. O santo abade deu ordens a todos os irmãos para que não saíssem ao exterior do mosteiro para implorar esmolas aos leigos, mas sim para permanecerem pacientes e aguardar a compaixão de Deus. Ele próprio passou três ou quatro dias sem comida. No quarto dia, de madrugada, tendo um machado, ele foi ao encontro de um dos anciãos, chamado Daniel, e lhe disse: “Ouvi dizer que pretendes construir uma entrada na frente de tua cela. Veja, eu vim construir para ti, pois minhas mãos não devem permanecer inativas.” Daniel respondeu: “Sim, eu tenho que esperar por um longo tempo, pois ainda estou aguardando o carpinteiro da aldeia, contudo estou com receio de empregar a ti, por que vais exigir um grande pagamento de mim.” Sergio lhe disse: “Eu não exigirei uma grande soma de dinheiro. Tem alguns pães velhos? Muitos querem comer alguns desses pães. Não peço mais nada a você. Onde tu vais encontrar outro carpinteiro como eu?” Daniel trouxe alguns pães velhos, dizendo: “Isto é tudo o que tenho.” Sergio disse: “Isso será suficiente, ate de sobra. Mas só pegarei esses pães mais tarde, não antes do trabalho ser feito.” Dito isso, São Sergio buscou suas ferramentas e de pronto iniciou o trabalho, e o fez pelo dia inteiro, só parando quando este estava terminado. No encerramento do dia, Daniel trouxe os pães como havia sido o pagamento prometido. Sergio, oferecendo uma oração, de graça distribuiu o pão para os irmãos, comeu sua porção de pão e bebeu um pouco de água. Não havia nem sopa nem sal, o pão era tanto o jantar quanto a ceia. Vários dos irmãos notaram algo como um tênue sopro de fumo sendo emitido de seus lábios e voltando uns para os outros diziam: “Ó, irmão, que paciência e autocontrole tem esse homem!” Contudo, um dos monges, que não conseguiu nada para comer durante dois dias, murmurava contra Sergio e foi até ele e disse: “Porque este pão bolorento? Porque não podemos ir lá fora e implorar por algum pão? Se tu nos manteres nessa obediência vamos perecer de fome. Amanhã de manhã, vou deixar este lugar e não voltar, não podemos tolerar por mais tempo essa escassez.” Apenas um dos irmãos agiu assim, mas como Sergio percebia o estado debilitado e perigoso dos monges, convocou a todos para instruí-los através das Sagradas Escrituras: “A graça de Deus não pode ser dada sem julgamentos; após tribulações vem alegria. Está escrito, a noite deve haver choro, mas na manhã alegria. Sim, atualmente, não temos pão ou alimentos, mas amanhã você poderá desfrutar deles em abundância.” No momento em que ele falava, bateram nas portas do monastério. O porteiro, observando através de uma abertura, viu que se aproximavam cargas de mantimentos e provisões; o porteiro ficou tão tomado de alegria, que não conseguiu abrir o portão, mas antes correu para avisar a São Sergio sobre o que estava acontecendo. O santo deu imediatamente a ordem: “Abra as portas rapidamente, deixe-os entrar, e as pessoas que trouxeram as provisões serão convidados a partilhar a refeição conosco.” Antes de tudo, ele foi aos sinos, para convocar os irmãos para adentrar a igreja e cantar um Moleben de agradecimento. Voltando da igreja, foram todos os monges e os recém-chegados ao refeitório, e pão fresco já havia sido colocado antes delas. O pão ainda estava quente e macio, e o sabor era de uma doçura inimaginável e estranho, como se fosse mel misturado com sumo de cevada e de especiarias. Quando comia, o santo comentou: “E onde está nosso irmão que murmurava sobre nosso pão bolorento? Que ele perceba o quanto ele é doce e fresco. Lembremo-nos que o profeta disse: ‘Tenho comido como pão as cinzas, para beber tenho minhas lágrimas.’“ Então ele perguntou quem havia mandado o pão e os mantimentos. Os mensageiros anunciaram que o benfeitor era um piedoso leigo, muito rico, que vivia muito distante da fraternidade dos monges de São Sergio. Sergio e os monges pediram para que os mensageiros ficassem mais algum tempo com eles para o descanso, mas os homens recusavam, pois deveriam logo se deslocar para outro lugar. Os monges foram ao abade registrar seu espanto, dizendo: “Pai, como é que este pão se mantem quente e com sabor de manteiga e especiarias, se foi trazido de longe?” No dia seguinte, mais alimentos e bebidas foram trazidos para o mosteiro da mesma maneira. E novamente no terceiro dia, vindo igualmente de muito longe. O Abade Sergio, vendo e ouvindo isso, deu glória a Deus diante de todos os irmãos dizendo: “Está vendo, irmãos, Deus nos dá de tudo, Ele nunca abandonou este lugar.” A partir deste momento em diante os monges se acostumaram a ser pacientes sob os desafios e privações, confiando no Senhor Deus com fervorosa fé, sempre reforçada pelo Santo Padre Sergio. De acordo com um registro dos anciãos do mosteiro, o Bendito Sergio nunca usava roupas novas, nem feita de material fino, coloridas, nem suaves e macias; ele usava simples pano ou cafetã; suas roupas se mantinham velhas e desgastadas, sujas, remendada. Sempre que encontrava no convento um pano feio, manchado, gasto, que algum dos irmãos havia jogado fora, ele o aproveitava, fazendo um, dois ate mesmo sete outras vestimentas. De tal modo eram surradas as suas roupas, que muitas vezes os visitantes não o reconheciam. Um dia, um cristão oriundo de uma aldeia próxima foi ao mosteiro para visitar o santo. Perguntando a um dos monges como encontrar o famoso e maravilhoso Sergio, o monge indicou que o abade estava no jardim. Chegando lá o homem encontrou São Sergio cavando no jardim, com suas vestes surradas, com buracos, com o rosto tomado de suor. Vendo o santo, se deu por certo que esse não poderia ser o extraordinário homem do qual todos falavam. Quando outro monge lhe informou que o tal maltrapilho era mesmo o abade, o visitante olhou para o santo e o escarneceu: “Vim para ver um profeta e tu me apontas um homem com a aparência de um mendigo. Não vejo glória, honra e majestade, não sobre ele. Ele não usa roupas finas e ricas; ele não tem atendentes e empregados treinados, é apenas um carente, um pobre mendigo.” Os irmãos foram ao encontro do abade, explicaram o que havia acontecido, e queriam expulsar o homem do mosteiro, por ele ser um homem rude e desrespeitoso. O santo homem olhou fixamente nos olhos de seus irmãos e percebendo a confusão neles, disse-lhes: “Não façam isso meus irmãos, se ele veio me visitar, deixe que o faça.” Uma vez que ele não esperava obediência de seus visitantes, ele correu em direção ao homem, e humildemente se pôs em reverencia até o chão diante dele e o abençoou. Então, o pegando pela mão, o santo o convidou a comer e beber algo com ele. O visitante expressou seu pesar por não ter conhecido o abade Sergio, por quem ele havia tido o trabalho de vir e visitar, e que seu desejo não tinha sido cumprido. O santo observou: “Não fique triste por isso, pois tal é a graça de Deus que ninguém deixa este lugar com tristeza.” Enquanto ele falava, chegava ao mosteiro um príncipe que era vizinho da comunidade de São Sergio e apresentava toda grande pompa, com uma enorme comitiva de empregados. Os atendentes armados, que precediam o príncipe, retiraram o visitante pelos ombros, o deixando fora da vista do príncipe e de Sergio. O príncipe então avançou e a partir de uma distância, fez uma reverência para Sergio. O santo lhe deu sua bênção e depois um beijo e ambos sentaram enquanto toda a gente ao redor se manteve de pé. O tal rude visitante perguntou: “Quem é o monge sentado com os príncipes a sua direita? Diga-me.” Um homem se virou para ele e disse: “Tu és um estranho aqui então? Realmente não conheces o bem-aventurado padre Sergio? É ele quem está falando com o príncipe.” Ao ouvir isto, o visitante se viu tomado com remorsos e depois que o príncipe foi embora, foi ver o abade, sendo auxiliado por muitos monges nesta visita para interceder por ele. Fazendo uma reverência aos pés do abade, ele disse: “Pai, sou mais um pecador e um grande infrator. Perdoe-me e ajuda-me a respeito da minha incredulidade.“ O santo facilmente o perdoou e com sua bênção e algumas palavras de conforto, se despediu dele. A partir deste dia, este homem tomou para si uma verdadeira e firme fé na Santíssima Trindade e em São Sergio, deixou sua aldeia alguns anos mais tarde e veio para o santo do mosteiro, onde se tornou um monge e lá passou vários anos, em arrependimento e emenda da vida antes de falecer.
Parte 4: Os milagres no mosteiro dos cenobitas Deus realiza milagres através dos Seus eleitos. Devido à falta de água perto do mosteiro, a fraternidade sofria grande desconforto, que se tornou mais grave com o paulatino aumentou do número de monges, sendo necessário buscar água de fontes mais distantes. Alguns monges se queixavam ao abade, inquirindo-o a respeito da razão de não ter observado, quando da escolha do local para construção do mosteiro, a falta de recursos naturais. Muitas vezes faziam esses questionamentos e em algumas oportunidades o faziam com irritação. O santo lhes dizia: “Estava destinado ao culto e a oração neste lugar isolado. Mas Deus quis que um mosteiro como este, dedicado à Santíssima Trindade, surgisse neste local.” Saindo do mosteiro acompanhado por um dos irmãos, encontrou em um barranco próximo do mosteiro, uma pequena piscina de água de chuva. Ele se ajoelhou e rezou. No dia anterior tal reserva de água limpa não existia! O bendito Sergio fez o sinal da cruz sobre o lago e este borbulhou e voltou a se pacificar e, desde então, permaneceu como uma fonte continua de água potável, existindo até os dias de hoje, suprindo as necessidades do mosteiro. Muitas curas têm sido concedidas aos fiéis a partir dessas águas, e as pessoas veem de longas distâncias para buscar a água e transportar um pouco dela para localidades distantes, para lhe dar de beber aos seus doentes. A partir do momento em que surgiu e com o perdurar de sua existência pelos anos, a fonte passou a ser nomeada com o nome de Sergio. O sábio homem que não procurava notoriedade ficava muito descontente com tal coisa e afirmava: “Nunca me deixem ouvir dizer que um bem é realizado pelo meu nome. Eu não criei essa água, foi Deus quem nos deu, homens indignos.” Certo devoto cristão que vivia perto do mosteiro, que acreditava na santidade de São Sergio, tinha um único filho, e este adoeceu. O pai trouxe o menino para o mosteiro e pediu ao santo para rezar por ele; mas enquanto o pai ainda falava o menino morreu. O homem, vendo que a sua última esperança desapareceu, chorava desconsolado: “Teria sido melhor ter deixado o meu filho morrer em minha própria casa.” Enquanto ele corria para preparar um túmulo, a criança morta foi colocada na cela do santo. O santo, sentindo compaixão por este homem, caiu de joelhos e rezava diante do menino morto. De repente o garoto voltou para a vida e se moveu. Seu pai, que havia voltado com os preparativos para o sepultamento, encontrou seu filho vivo e maravilhado se lançou aos pés do servo de Deus, agradecendo-lhe. O santo lhe disse: “Tu estás enganado, homem, e não sei o que dizer. Enquanto em sua vinda para cá teu filho ficou congelado pelo frio, e tu pensavas que ele havia morrido. Ele foi colocado na cela, que sendo um lugar aquecido o fez descongelar, o que faz tu pensares que o menino foi trazido da morte para a vida. Ninguém pode ressuscitar dos mortos antes do Dia da Ressurreição.” O homem no entanto insistiu, dizendo: “Foi sua oração que o trouxe à vida novamente.” O santo o proibiu de dizer isso: “Se isso for ouvido no exterior deste mosteiro, tu perderás teu filho completamente.” O homem prometeu não dizer a ninguém e, tendo o seu filho, agora com a saúde restaurada, voltou para casa. Às margens do Volga, portanto há uma considerável distância da Lavra, existia um homem de muitas posses, mas que sofria incessantemente, dia e noite com as investidas de um espírito maligno. Quando dominado por tais forças infernais, era capaz de quebrar cadeiras de ferro e mesmo dez ou mais homens não eram capazes de conter seus excessos. Seus parentes ouviram falar do santo e levaram o infeliz homem para o mosteiro onde morava o servo do Senhor. Quando chegaram ao mosteiro, o homem se tornou como um celerado, chorando e berrando já precisava ser contido. Informaram o caso ao santo, que deu a ordem aos irmãos, de começarem a entoar o moleben para o doente quando os sinos fossem tocados. Aos poucos o homem foi se acalmando. São Sergio saiu da Igreja carregando uma cruz e tendo o pobre homem a seu lado. Contudo, este soltou um estridente grito e correu sem poder ser detido. Diante da piscina natural da água da chuva, exclamou “O horrível, o terrível me chama!” Pela graça de Deus e as orações do santo ele se recuperou e foi restaurado seu perfeito juízo. Quando perguntado a respeito do que ele falava com sua exclamação, ele dizia: “Quando o santo queria abençoar-me com a cruz, vi uma grande chama saindo dele, esperando pelo meu arrependimento. Então fui me jogar na agua, temendo ser consumido pela chama.” Um dia o santo, em conformidade com sua habitual regra, foi participar das orações da vigília com a fraternidade já na tarde da noite quando ele ouviu uma voz: “Sergio!” Ele se espantou e, abrindo a janela da cela, teve uma maravilhosa visão. Um grande esplendor brilhou no céu, o céu noturno se tornou iluminado pelo seu brilhantismo, superando a luminosidade do dia. Uma segunda vez ouviu o chamado da voz: “Sergio! Tu rezaste pelas tuas crianças; Deus ouviu tuas orações. Veja que há agora um grande número de monges reunidos em nome da Eterna Trindade, guiados por ti.” O santo olhou e viu uma multidão de belas aves voando, não só no mosteiro, mas em todo redor, e ele ouviu uma voz dizendo: “As tantas aves tu vês, serão também os tantos que iram aumentar teu grupo de discípulos, e após teu tempo não vão deixar de aumentar, todos seguindo as tuas pegadas.” Ansioso por ter uma testemunha desta visão, o santo chamou Simão em voz alta. Simão correu até ele com toda a pressa, mas ele não foi tornado digno de ter esta visão, não tendo visto mais do que um raio de luz. Mas mesmo assim ficou muito surpreendido, e cheios de admiração e reverência a esta visão gloriosa rejubilaram juntos. Um dia alguns gregos chegaram ao mosteiro vindos de Constantinopla, enviados pelo patriarca para visitar o santo. Fazendo uma profunda reverência, disseram-lhe: “O todo-poderoso Patriarca de Constantinopla, Filoteu, envia-te a sua bênção”, e eles lhe deram como ofertas enviadas pelo próprio patriarca uma cruz e um paramento e também lhe entregaram uma carta. O santo perguntou: “Tem certeza de que tudo foi mesmo enviado para mim? Como posso eu, um pecador, ser digno de tais presentes do mais ilustre patriarca?” E eles responderam: “Foram todos efetivamente enviados para ti, São Sergio.” O ancião então foi encontrar o metropolita Alexei para que este pudesse ler a epístola enviada pelo patriarca. O metropolita ordenou que São Sergio estivesse junto para que pudessem ler a epistola. E o metropolita o fez conhecer o conteúdo da epistola: “Pela graça de Deus, o Arcebispo de Constantinopla e Patriarca Ecumênico Filoteu, pelo Espírito Santo, envio para nosso filho e companheiro, o servo de Deus Sergio, a Graça Divina, e nossa benção está sempre contigo. Ouvimos a respeito da sua piedosa vida dedicada a Deus e por isso muito louvamos e glorificamos nosso Senhor. Contudo, um aspecto ainda não foi estabelecido: Você ainda não formou uma comunidade. Tome nota, ó bendito, que mesmo o grande profeta de Deus e nosso pai Davi, abrangendo todas as coisas com sua mente, não poderia antes receber maiores elogios do que quando disse -- mas agora porem, tudo é bom e perfeito, mas acima de tudo porque estamos cumprindo tudo no amor fraterno. Portanto, o aconselho a criar uma comunidade, e esta benção e graça de Deus vão estar sempre sobre ti.” São Sergio perguntou ao metropolita: “Venerado mestre, o que o senhor nos instruis a fazer?” O metropolita respondeu: “Com todo nosso coração, aprovamos e retornaremos nossos agradecimentos. De agora em diante, a vida instituída no mosteiro se fará regra de uma comunidade da Igreja.” O santo e sábio pastor nomeou cada irmão em suas funções, uns para o trabalho na dispensa, outros como cozinheiros e padeiros, outros para cuidar dos doentes e para as leis da Igreja, um eclesiarca, e um subeclesiarca, e sacristãos, e assim por diante. Ele anunciou ainda, que os decretos dos santos pais deveriam ser rigorosamente observados; todas as coisas deveriam ser possuídas de forma comunal, não sendo a cada monge possível ter propriedade própria. Sua comunidade foi estabelecida com muita sabedoria, e o número de seus seguidores logo aumentou. Além disso, quanto maior a oferta de oferendas ao mosteiro, mais a sua capacidade de caridade e hospitalidade era expandida. Nenhuma pessoa em necessidade deixou o mosteiro de mãos vazias, e o santo dos pobres ordenava para que todos os estranhos fossem autorizados a descansar no mosteiro, e não deveriam ser recusados os pedidos, acrescentando: “Se vós seguires meus preceitos e continuardes fielmente neles, Deus vos recompensar-te-á, e quando eu deixar esta vida, nosso mosteiro irá prosperar e continuará de pé com a bênção do Senhor, durante muitos anos.” E ele se mantém de pé ate hoje. [Continua]
|